Bicho de Sete Cabeças é um filme de drama brasileiro de 2000 dirigido por Laís Bodanzky e com roteiro de Luiz Bolognesi baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Canto dos Malditos. O filme foi realizado com a parceria entre as produtoras brasileiras Buriti Filmes, Dezenove Som e Imagens Produções Ltda. e Gullane Filmes, com a participação da brasileira Rio Filme Distribuidora e da italiana Fabrica Cinema, e contou com Rodrigo Santoro, Othon Bastos e Cássia Kiss nos papéis principais.
Sinopse
Uma viagem ao inferno manicomial. Esta é a odisséia vivida por Neto, um jovem de classe media baixa que leva uma vida comum até o dia em que o pai o interna em um manicômio depois de encontrar um cigarro de maconha em seu bolso. O fato é a gota dágua que deflagra a tragédia na família. Neto é um adolescente em busca de emoções e liberdade, com pequenas rebeldias incompreendidas pelo pai, como pichar muros e usar brincos. A falta de entendimento leva ao emudecimento na relação dentro de casa e o medo de perder o controle sobre o filho vira o amor do avesso. No manicômio, Neto conhece uma realidade absurda e desumana, onde os internos são devorados por um sistema corrupto e cruel. A linguagem de documentário utilizada pela diretora empresta ao filme uma forte sensação de realidade, aumentando ainda mais o impacto das emoções vividas pelo protagonista.
ANÁLISE
DO FILME: BICHO DE SETE CABEÇAS
OBSERVANDO AS ALTERAÇÕES NAS FUNÇÕES PSÍQUICAS.
O Bicho
de Sete Cabeças é um filme brasileiro estreado em 2000, baseado em fatos
reais que são relatados no livro autobiográfico Canto dos Malditos de Austregésilo
Carrano Bueno, aborda a relação entre pais e adolescentes e a realidade
manicomial em nosso país.
Retrata a história de uma família,
evidenciando uma relação conturbada entre pai e filho, respectivamente, Wilson
e Neto, no qual o jovem é usuário de psicoativos. Como dependente químico, Neto
apresenta algumas alterações na sensopercepção, apresentando vivências
alucinatórias nas diversas modalidades sensoriais, acompanhado por alucinações
visuais (que podem ser simples ou complexas).
Um exemplo disso é, na hora em que está
indo assistir ao jogo com seu pai, que o Sr. Wilson pede para que seu filho
pegue o jornal de esportes no banco de trás do carro. Neto não consegue
distinguir, de modo nítido, o que está escrito e nem ouvir seu pai claramente,
que, nesse caso, seriam as alucinações auditivas – nas áudio-verbais, o
paciente escuta vozes sem qualquer estímulo real – e que, quase sempre, tem conteúdo
depreciativo ou persecutório. Em alguns casos, existem as "vozes de
comando", as quais ordenam os pacientes a realizarem atos, outras vezes
surgem às vozes que comentam as atividades corriqueiras do paciente.
Um exemplo que podemos relatar, no filme,
dessas alucinações audiovisuais, é durante a viagem de Neto, em que ele está
dentro da piscina, e é assediado por um cara conhecido de seu amigo, e Neto se
irrita, sai correndo, e vai embora. Neste momento, ele projeta a imagem e a voz
de seu pai, lembrando-se de alguns momentos antes de viajar, em que o Sr. Wilson,
queria arrancar o brinco da orelha de seu filho enquanto gritava bastante,
indignado com sua viagem repentina, e, principalmente, pela sua falta de
recursos financeiros.
Durante todo o filme, Neto apresenta
alterações de sensopercepção, mas, até então, nem seu pai ou o restante de sua
família tinha desconfiado que Neto usasse maconha (também conhecida como Cannabis, causa alguns efeitos
psicoativos e fisiológicos quando ingerida. Dentre alguns efeitos imediatos
estão o relaxamento e a leve euforia, enquanto alguns dos efeitos colaterais
são: boca seca, habilidades motoras levemente debilitadas, diminuição passageira
na memória de curto prazo e vermelhidão dos olhos. Além de uma subjetiva
mudança na percepção e, sobretudo, no humor, os efeitos físicos e neurológicos
de curto prazo mais comuns incluem aumento da frequência cardíaca e do apetite,
além da diminuição da memória de curto prazo, da memória de trabalho, da
coordenação psicomotora e da concentração.). Tudo foi descoberto quando Sr.
Wilson pegou o casaco de seu filho e caiu o cigarro de maconha. Sua atitude ao
ver o cigarro, foi imediata. A princípio, não sabia o que fazer, conversou com
sua família e, desprovido de conhecimento sobre as amizades, rotina e costumes
de seu filho, resultado de sua relação ruim com seu filho, decidiu interna-lo à
força e sem aviso prévio ou qualquer conversa a respeito do acontecimento.
Dentro do hospital psiquiátrico onde é
internado, Neto passa por uma série do que se chamavam tratamentos, que são
cruéis e desumanos, utilizando da aplicação de medicamentos, que acabam por
alterar seu estado mental, trazendo como consequências as famosas alucinações,
que é a percepção falseada, deformada de um objeto real, e presente. Possuindo
essa ilusão corporeidade, projetando-se no espaço exterior e que é aceita como
realidade. Isso, Neto apresenta de forma freqüente durante todo o filme.
No hospital há pacientes, tanto com
transtornos mentais quanto dependentes químicos, o que torna qualquer
possibilidade de melhora inviável, mesmo sendo evidente que não era esse o
objetivo: a cura dos pacientes. Embora esta seja uma visão mais atual. Canto dos Malditos, o livro no qual o filme se baseia, foi publicado
em 1998. Quem relata isso é J. Landeira-Fernandez, no
livro cinema e loucura, onde a mesma fala sobre uma lei existente (Lei Federal
10.216/2001), onde de acordo com a mesma, o paciente acometido por um
transtorno mental deve ser tratado, preferencialmente, em serviços comunitários
de saúde mental, com a devida participação da sociedade e família. Visualizamos
a falha psiquiátrica na cena em que Neto é proibido de ver a família (pelo
menos nos primeiros quinze dias, e ainda é submetido ao isolamento numa
solitária), e a internação psiquiátrica só é indicada quando os recursos
extra-hospitalares não forem suficientes, o que também acabou sendo outro
equívoco, já que Sr. Wilson nem tentou outros métodos para tentar fazer seu
filho sair da dependência química.
Devido a tantas
medicações (que quando não são dadas de forma inadequada são dadas de forma
desnecessária), as alterações de sensação e percepção são bastante evidentes.
Neto por conta dessas medicações possui alterações significativas no seu físico,
engordando vários quilos, resultante das alterações produzidas sobre seus
órgãos sensoriais.
O que podemos perceber
no filme, é uma realidade que permaneceu bastante parecida à mesma do século
XVII, onde os hospitais psiquiátricos proliferavam e abrigavam juntamente os
doentes mentais, marginalizados de outras espécies, incluindo casos como o de
Neto – usuário de psicoativos. O tratamento que essas pessoas recebiam na
instituição era desumano. Não importando o bem-estar do paciente. Diversos
depoimentos -- como o de Esquirol, um importante estudioso destas instituições
no século XIX -- retratam este quadro:
"Eles são mais mal tratados que os
criminosos; eu os vi nus, ou vestidos de trapos, estirados no chão, defendidos
da umidade do pavimento apenas por um pouco de palha. Eu os vi privados de ar
para respirar, de água para matar a sede, e das coisas indispensáveis à vida.
Eu os vi entregues às mãos de verdadeiros carcereiros, abandonados à vigilância
brutal destes. Eu os vi em ambientes estreitos, sujos, com falta de ar, de luz,
acorrentados em lugares nos quais se hesitaria até em guardar bestas ferozes,
que os governos, por luxo e com grandes despesas, mantêm nas capitais." (Esquirol, 1818, apud Ugolotti,
1949).
Situação esta, vivida pelo protagonista do filme, Neto. E
o Sr. Wilson, seu pai, desconhecia essa realidade. Internou seu filho sem
conversar com ele, sem se inteirar das medidas de tratamento, confiando apenas,
no renome do médico psiquiátrico. O que, de certa forma, ainda podemos
encontrar atualmente, embora que não esteja de forma tão evidente e ainda que,
após o surgimento da Lei Federal 10.216/2001, tenha sido
proibida a construção de instituições como esta e a instituída uma reforma no
tratamento psiquiátrico, casos semelhantes a este.
Como conseqüência de
um conjunto de fatores já abordados acima, Neto também possui alterações
quantitativas. Nesse
caso, as imagens perceptivas têm uma intensidade anormal, para mais ou para
menos.
Após
um encontro entre os pais de Neto e o mesmo, devido à falta que Dona Meire – mãe dele - e dos seus pedidos para sair de lá, decidiram
retirá-lo do hospital psiquiátrico e leva-lo para casa. Como consequência das
semanas de maus tratos, Neto se encontrava perturbado, tendo lembranças
frequentes de sua internação e da sua relação ruim com seu pai. Sofria de
alucinações, tremia, chorava, desesperava-se e havia perdido a vontade de
mobilizar-se a qualquer atividade que fosse, ficou com o que podemos apontar
trauma. Passava os dias e noites trancado em seu quarto. Quando enfim, por
causa dos pedidos de sua mãe, resolveu concorrer a uma vaga de emprego de
vendedor, mas suas lembranças ruins eram frequentes, por isso, não conseguiu
concentrar-se em nenhuma informação que lhe era passada ou qualquer
ensinamento, e não prosseguiu com o teste.
Neto
demonstrava um grande interesse por uma garota que havia conhecido durante sua
viagem e que o ajudou a voltar para casa, antes de sua entrevista de emprego,
encontrou-se com ela e decepcionou-se, ao vê-la namorando com outro e sem
interesse nenhum nele. A somatória de sua desilusão, com as alucinações e as
lembranças do período em que esteve internado, permitiu que ele fosse a uma
festa, onde, usando álcool e provavelmente um psicoativo, entrou em surto, foi
preso, e encaminhado novamente para outro hospital psiquiátrico.
Como
não poderia ser diferente, nesse novo hospital, Neto continuou sendo tratado de
forma errônea. Recebia medicamentos infundados e suas instalações eram
precárias, assim como as formas punitivas de conter os pacientes considerados
rebeldes. Embora, dessa vez, ele já estivesse mais experiente em relação a maneiras
de burlar as regras do hospital e em não tomar os medicamentos, não foi
suficiente para mantê-lo longe das vacinas chamadas “cavalais”, que causavam
contrações nos músculos e dores fortes, e nem das solitárias que não tinham luz
ou alimento por vários dias. Levando-o ao quase suicídio, no qual ele ateou
fogo na solitária e, de fato, quase morreu.
Logo
após o pequeno incêndio, Neto foi, novamente, solto. Não ficou exatamente claro
se o relacionamento com seu pai melhorou, mas, por alguns momentos pareceu que
sim, logo após o Sr. Wilson ter lido uma carta feita por Neto, enquanto ainda
estava no hospital psiquiátrico, sobre o que ele pensava a respeito de ofensas
que tinha ouvido durante sua vida.
O
filme teve ótimas críticas, abordando uma questão de nível social
que é o abuso sofrido pelos pacientes de hospitais psiquiátricos que são
acometidos pelos médicos e funcionários
que
trabalham nesses lugares, que usam de toda sua maldade para trata-los. Além da
questão das drogas e da relação entre pais e filhos, sendo estes outros pontos
de reflexão construções bastante importantes no enredo.
Segundo Austregésilo Carrano Bueno,
escritor da obra que originou o Bicho de Sete Cabeças:
Neto vem personificando um exemplo de
usuário de drogas típico dos anos 60-80, que utilizavam psicoativos, como
resposta a severidade dos pais, ou até mesmo com a falta de vínculo dentre
eles.
"Acho que o filme ficou na dosagem
certa, embora não passe nem 10% do que nós, pacientes psiquiátricos passamos
dentro desses chiqueiros psiquiátricos, que ainda hoje são verdadeiras
"casas de extermínio". Quando comparo essas instituições do terror
com casas de extermínio, não é só pelo fato de 80% dos internos morrerem ou
virarem moradores lá dentro, mas também pela prisão física e química às quais
somos submetidos, ou seja, uma morte em vida que nos leva ao zumbinismo.".
Percebe-se, com isso, o foco da questão manicomial,
denunciando como práticas científicas podem dar resultados incompatíveis com
aquilo que mostram. Isso está bem claro, quando o Dr. Cintra Araújo e os
enfermeiros Marcelo e Ivan, ambos em hospitais psiquiátricos, aplicam
medicamentos com a intenção de sedar, até enlouquecer, de fato, os pacientes – vítimas – que ficam à mercê de seus cuidados.
Sem realizarem consultas ou ouvir se quer a queixa dos mesmos, dando informativos de
quadros clínicos sem fundamento aos seus familiares.
Como nota, é interessante apontar o fato
de que a história é verídica, e que o Neto tornou-se representante nacional
dos usuários na Reforma psiquiátrica do Brasil. Homenageado em 28 de Maio de
2003 pelo Ministério da Saúde e pelo Presidente da República Sr. Luiz Inácio
Lula da Silva, por sua Luta e Empenho na Construção da Rede Nacional de
Trabalhos Substitutivos aos Hospitais Psiquiátricos no Brasil. Neto fez o seu
livro, denunciando o tratamento dado das clínicas psiquiátricas e acabou tendo
que pagar em torno de 60 mil reais de indenização aos médicos e familiares, respondendo
por danos morais.
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