domingo, 23 de novembro de 2014

Políticas Públicas e a Produção da Subjetividade



        Como não discutir Políticas Públicas nesse momento tão crítico que está o nosso país? Obviamente já esteve muito pior, mas foi justamente após o surgimento das PPs, que podemos cobrar que o governo possa fazer alguma coisa pelos cidadãos. Com certeza já sabemos que, se numa corda há o lado mais forte e o mais fraco (lê-se exploradores versus explorados, respectivamente), o lado mais fraco é pra onde ela rebenta. Então, vamos entender melhor sobre PPs e como isso influencia na vida cotidiana a na subjetividade das pessoas.
Na sociedade moderna, a consciência do “eu” se fez a partir da necessidade do homem de se encaixar numa ideia de liberdade. O homem livre para escolher, consumir, trabalhar e produzir. Bock (2011), vem trazendo a concepção de que esse sentimento de “eu”, foi extremamente relevante para que a ciência moderna olhasse para a necessidade de produzir resposta a demanda que estava crescendo, uma vez que, a partir das suas escolhas, o homem enfim poderia identificar e significar a si mesmo. Em função da nova realidade, surgia também uma “crise do eu”, e, juntamente a esta, vieram as dificuldades de lidar com os sentimentos de sofrimento e angústia, por exemplo, a partir da vivência em sociedade.
Partindo para o que se refere a construção dessa sociedade, temos atualmente em sua organização, três setores. O Primeiro Setor trata-se do Estado, composto por representantes governamentais nos âmbitos municipal, estadual e federal. O Segundo Setor designa um conjunto de empresas privadas com fins lucrativos. O Terceiro Setor implica a sociedade civil organizada, que é constituída por organizações de direito privado, porém, sem fins lucrativos, que visa a geração de bens e serviços públicos. Este último é de grande importância no tocante as políticas públicas, uma vez que serve para dialogar, negociar, cobrar e fiscalizar o Estado, quanto a construção e garantia de condições dignas para todos os cidadãos, de maneira justa (SILVEIRA, 2007).
Com a construção de sua identidade, o homem passou a observar o meio em que vive, sendo capaz de destacar quais eram as suas necessidades e demandas, descobrindo que não possuía apenas deveres, mas direitos também, e na tentativa de transformar as injustiças sociais  e exercer os seus direitos fundamentais, consolida-se este Terceiro Setor, atuante na sociedade, fazendo com que a política ganhe uma dimensão psicossocial, como forma de expressão dinâmica do ser humano no conjunto com suas relações e parte integrante da vida cotidiana, estando representado pelas Organizações Não-governamentais e pelas Organizações da Sociedade Civil, mudando a configuração social e havendo, consequentemente, uma melhoria no que chamamos de políticas públicas. (Idem).

POLÍTICAS PÚBLICAS E A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

Políticas públicas é uma ação voltada para a população, criada a partir de suas demandas e necessidades, com o intuito de atendê-las da melhor forma possível. É iniciada e dirigida pelo e em função do coletivo, tendo como alvo questões de moradia, educação, transporte, saneamento, cultura, saúde, lazer, etc. Cabem aos gestores públicos a organização dessas ações, tendo em vista que as políticas de Estado em parceria com os movimentos públicos têm que estar voltadas para suprir tais demandas (CRP – RJ, 2010).
O resultado das PP ocasionou bastante benefícios para a população como um todo, entretanto, muitos problemas acontecem, como por exemplo:
“Pessoas ficarem horas na fila de um hospital do SUS, não conseguirem matricular os filhos em uma escola pública, terem dificuldade em conseguir emprego ou precisarem morar nas ruas são sinais de que essas políticas estão servindo a interesses muito mais privados do que públicos” (CRP – RJ, 2010, p. 2).
Essas facilidades muitas vezes acabam por se tornar burocracias e não se tornam reais da forma que precisam ser, os serviços públicos são indispensáveis de fato, é algo que a população necessita, já que não se encontram no seu “Direito Privado”, como coloca Conceição (2014), por isso não se deve perder a noção da indispensabilidade do mesmo.
O serviço público como atividade desempenhada para promover o bem-estar que esteja disponível à população e prestada pelo Estado é uma faca de dois gumes, pois encontramos serviços em determinados setores que se sobressaem, enquanto outros estão defasados e com práticas totalmente arcaicas e ineficientes. As políticas são montadas em cima de projetos e dentro de serviços que são essenciais ao povo, o que configura exatamente as chamadas políticas estatais. Esse tipo de política é criado a partir do Estado, assim como é sustentada e mantida por ele, sem lançar por vezes seu olhar as verdadeiras necessidades do povo. O que acaba por resultar em projetos de que nada servem para diminuir ou sequer amenizar as demandas que surgem cada dia, maiores e mais preocupantes para a população (CRP – RJ, 2010).
Em contrapartida, não elencando apenas pontos negativos, mas positivos também, a questão da moradia que é uma das preocupações da política de governo atual, por exemplo, tem trazido a classe menos favorecida uma chance de poder realizar o sonho da casa própria e ter um mínimo de segurança para viver. Assim como os programas que garantem ao cidadão que não dispõe de recursos para assumir os custos de uma faculdade ou universidade privada, a sua inserção ao ensino superior e inclusão no mundo do trabalho, como PROUNI, por exemplo, que têm sido de grande relevância e sucesso em seu propósito (APRILE; BARONE, 2008).
             É necessário refletir a questão de que o mais importante não é apenas o funcionamento dessas políticas, não basta ter várias escolas, vários postos de saúde, ou qualquer outro serviço público que seja no sentido estrutural quantitativo. É preciso pensar também na dimensão subjetiva na elaboração e implementação destas, pensar o que está envolvido enquanto produção simbólica em determinado grupo. É preciso pensar na parte humana. O que faz um grupo é a dimensão subjetiva das pessoas e isso precisa ser levado em consideração. Faz-se necessário estudar o que se destina, a quem se destina e a forma como se destina. (GONÇALVES, 2010)
No Brasil, a idealização de políticas públicas ainda é vista dentro de uma configuração tecnicista, onde depois de um plano plausível tudo funcionará automaticamente. (OLIVEIRA, 2006). Dentro disso pode-se observar como muitas pessoas se queixam da forma como são tratadas dentro dos serviços públicos. Estamos lidando com sujeitos, dotados de consciência, subjetividade e, dependendo do âmbito, com uma enorme vulnerabilidade, portanto, é importante que este se sinta acolhido. Com isso, pode-se ressaltar que a Psicologia possui uma relevante contribuição para um entendimento da limitação das Políticas Públicas (BAPTISTA, 2012).
É possível abrir um espaço para falar também dos profissionais que estão inseridos em determinados ambientes. Em algumas ocasiões permanecem em um local de trabalho por causa da falta de opção ou porque foi a porta que primeiro se abriu. Estes, na maioria das vezes, são profissionais inseridos em ambientes precários (principalmente na área da saúde), com falta de material adequado, o que acaba desestimulando-o e gerando como consequência a desmotivação com sua profissão, não conseguindo passar satisfação ao indivíduo que vem à procura de seus serviços e nem a si próprio, enquanto sujeito autônomo. O mesmo também acontece na educação, por exemplo, pode-se observar no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, dirigido por João Jardim, o quanto se tem professores desestimulados com o cargo que ocupam. Há um “esgotamento no modelo de educação vigente”. (CARDOSO; CHERUTI; PONTE, 2012).  Então, observa-se inúmeras realidades distintas sobre o contexto educacional, assim como a discrepância na educação.
Se tomarmos como viés o olhar da Psicologia em cima das Políticas Públicas, esta pensa que tal política deve ser algo benéfico e proveitoso, algo humanizado que reconheça que tem como principal alvo sujeitos e não deve simplesmente ter como meta uma padronização, algo que funcione no automático. (GONÇALVES, 2010).
Assim como Susin e Poli (2012), defendem a ideia de que é necessário diferenciar, os sujeitos a quem se destinam as políticas públicas, que em suma se encontram em situação de vulnerabilidade, de suas demandas. Os sujeitos que possuem condições dignas de moradia, saúde, trabalho, que possuem acesso à educação, cultura e lazer, tem maiores possibilidades de estabelecerem uma relação benéfica, de estabilidade e conforto com tudo aquilo que traz significado a formação de sua subjetividade. Dessa forma, esses sujeitos encontram uma saída, lutando por seus direitos e sendo bem representados pelos órgãos gestores. As políticas públicas trazem, quando funcionam de fato, um olhar de esperança à garantia de que as pessoas usufruirão desses elementos, a partir da suspensão de uma violação aos seus direitos, por uma intervenção no âmbito da ação política.
O impacto das políticas públicas no meio ambiente em que o sujeito vive, quando parte das demandas que o coletivo apresenta, traz benefícios para o mesmo. De acordo com o conceito de saúde da OMS, o indivíduo para ser considerado saudável tem que estar em perfeito estado biopsicossocial, atualmente, fala-se em bem estar espiritual, também. Sendo assim, não podemos ver as PP’s como importantes apenas na melhoria de hospitais para trazer benefícios a saúde física, por exemplo, mas voltadas também para as relações sociais, como na questão da violência contra a mulher, contra os idosos, contra os deficientes físicos, contra as pessoas que possuem deficiências mentais ou síndromes, contra pessoas que sofrem algum tipo de preconceito de forma geral.
É certo que, uma vez constituído no campo cultural e, portanto, no campo da linguagem, não podemos deixar de concebê-lo como um movimento que é da ordem do social, uma construção histórica, engendrado como um projeto político de formação e transformação de realidades sociais através da contextualização e reforço das condições de cidadania e do direito de usufruto de locais públicos que a cidade oferece (NASCIMENTO, C. A. T.; LAZZAROTTO, G. D. R et al, 2004).
É importante lançarmos um olhar também, para a realidade das políticas públicas não somente interferindo no que já é problema, como forma de controla-lo, mas na sua prevenção também. Trabalhar em cima da circulação da palavra, é muito importante. Dar voz aos indivíduos que sofrem a violência, seja ela qual for, para que isso seja tratado, entendido, e, a partir dela, gerar intervenções que possam gerar grupos de interesse em comum, que criem uma identidade, que se reconheçam e que juntos encontrem forças para buscar uma solução. Um exemplo claro disso é o movimento dos sem teto – MST (COELHO, 2014).


REFERÊNCIAS

APRILE, M. R.; BARONE, R. E. M. Políticas Públicas para Acesso ao Ensino Superior e Inclusão no Mundo do Trabalho – o Programa Universidade para todos (PROUNI) em Questão. In. Congresso Português de Sociologia, 6, Lisboa, 2008. Disponível em: < http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/182.pdf>. Acesso em: 27 Out, 2014.
BAPTISTA, G. C. Análise de políticas públicas, subjetividade e poder: matrizes e intersecções teóricas. Psicol. USP, São Paulo, v. 23, n. 1, Mar.  2012 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642012000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  29 Out.  2014.
BOCK, A. M. B. Psicologia e Políticas Públicas. BH/ CRP04, 2011. Disponível em: < http://www.crpmg.org.br/CRP2/File/Ana%20Bock%20-%20%20PsicoPol%C3%ADticasP%C3%BAblicas.pdf>. Acesso em: 29 Out, 2014.

CARDOSO, R.L; CHERUTI, L. J. C; PONTE, M. K. Pro Dia Nascer Feliz: Análise do Documentário. Revista de Educação, Ciência e Cultura, v. 17, n. 2, 2012.

CRP – RJ. Psicologia e Políticas Públicas: Políticas públicas, poder estatal, Psicologia: interfaces e armadilhas. In: Jornal do Conselho Regional de Psicologia, Ano 7, nº 27, Mar/Abr., 2010. Disponível em: < http://www.crprj.org.br/publicacoes/jornal/jornal27-politicas-publicas.pdf > Acesso em 12 de out de 2014.
CONCEIÇÃO, M. C. V. O.  A greve no serviço público: elementos conceituais e o debate em torno da sua regulamentação. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2685> Acesso em 12 de out de 2014.
GONÇALVES, M.  D. G. M. Construindo o Compromisso Social da Psicologia: Psicologia, Subjetividade e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez, 2010.
OLIVEIRA, J. A. P.  Desafios do Planejamento Em Políticas Públicas: Diferentes Visões e Práticas. Rio de Janeiro, 2006.
SEGRE, M.; FERRAZ, F. C. O conceito de saúde. In: Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, Out.  1997.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101997000600016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  29 Out.  2014.
SILVEIRA, A. F. [et al]. Caderno de Psicologia e Políticas Públicas. In: ConexãoPsi – Série Técnica, 21ª ed. 150.1. PR/ CRP 08, 2007. Disponível em:<http://crppr.org.br/download/161.pdf>. Acesso em: 29 Out, 2014.
SUSIN, L.; POLI, M.C. O singular na assistência social: do usuário ao sujeito. In: CRUZ, L.R. & GUARESCHI, N. O psicólogo e as políticas públicas de assistência social. Petrópolis, RJ: Vozes (Coleção Psicologia Social), 2012, p.195-204.
NASCIMENTO, C. A. T.; LAZZAROTTO, G. D. R [et al]. Psicologia e Políticas Públicas. Experiências em Saúde Pública. RS/ CRP07, 2004. Disponível em: <http://www.crprs.org.br/upload/edicao/arquivo15.pdf>. Acesso em: Acesso em: 29 Out, 2014.
COELHO, J. S. A Atuação do Psicólogo em Políticas Públicas. A Assistência Social e a Prática do Psicólogo. BH, Abr., 2011. Disponível em: < http://www.crpmg.org.br/CRP2/Image/jaciara%20assistencia%20social.pdf>. Acesso em: Acesso em: 29 Out, 2014.