segunda-feira, 21 de abril de 2014

Colocando o papo em dia: Femicídio/ Feminicídio

       Depois de tanto tempo sem atualizar o blog, só o que há é assunto pra por em dia, certo?
    A propósito, venho notado que a violência tem tido maior incidência nesse período pré copa. Tô enganada ou vocês também? Sinceramente, tenho tido medo de por o pé na rua e até mesmo de estar dentro de casa. Não consigo mais não ter medo. Simplesmente não dá pra ignorar que todo e qualquer bandido na face desse mundo tem mais respeito e liberdade que eu.
       Pra não dizer que tô só de conversa fiada, vou mostrar uns dados simples, começando do geral e depois afunilando:

       As armas não foram legalizadas. Há campanhas de desarmamento no país, e os dados de mortes por armas de fogo nos últimos anos só estão crescendo:
"BRASÍLIA - O Mapa da Violência 2013 - Mortes Matadas por Armas de Fogo, divulgado nesta quarta-feira, 6/03/13, informa que 36.792 pessoas foram assassinadas a tiros em 2010. O número é superior aos 36.624 assassinatos anotados em 2009 e mantém o país com uma taxa de 20,4 homicídios por 100 mil habitantes, a oitava pior marca entre 100 nações com estatísticas consideradas relativamente confiáveis sobre o assunto."
       Agora, parem pra pensar que esses dados seguem de acordo com os crimes delatados, imagine os que não são. Imagine os crimes que as autoridades cometem e fica tudo em off. Imagine os crimes daquelas pessoas que não existem socialmente, como os moradores de rua que não possuem documentos que "provem sua existência". Soma com as pessoas "desaparecidas" há dias, meses e anos, que não entram nessa estatística. Soma também, com aqueles que morrem nas mãos de perversos e que são contabilizados como suicidas (lembrei do caso de um garoto que foi clara e brutalmente assassinado após sair de uma festa, e que, por ventura, era gay, e a polícia registrou o caso como suicídio). A vida não está valendo um centavo furado! Essa é a sensação que tenho. Mas, isso foi só pra contextualizar, vamos ao que interessa.

Delitômetro (Fique por dentro clicando aqui):
Números coletados do IAB - Instituto Avante Brasil (08.04.2014), com aumento frequente por minuto.


       Antes de tudo, para não variar, questionarei um pouquinho: Por que vocês acham que ali no Delitômetro tem um lugar específico para homicídios de mulheres? Uma pesquisa traz que o Brasil tem, simplesmente, três cidades brasileiras dentre as mais violentas do PLANETA, com números considerados epidêmicos pela OMS - Organização Mundial da Saúde!!! E olha que legal: uma delas vai ser cede de um dos jogos da Copa 2014 Saiba mais clicando aqui.. Esclarecendo que apesar da imagem tratar de homicídios em geral, meu foco não é eles, mas os femicídios e feminicídios. 
       Primeiramente, vamos saber o que é femicídio e/ou feminicídio:
      Antes de mais nada, há uma pequena diferença entre ambos os termos pois enquanto femicídio é a morte de indivíduos do sexo feminino, a segunda expressão diz respeito à morte de mulheres por motivação política:
"Feminicídio é algo que vai além da misoginia (ódio, desprezo ou repulsa ao gênero feminino e às características a ele associadas), criando um clima de terror que gera a perseguição e morte da mulher a partir de agressões físicas e psicológicas dos mais variados tipos, como abuso físico e verbal, estupro, tortura, escravidão sexual, espancamentos, assédio sexual, mutilação genital e cirurgias ginecológicas desnecessárias, proibição do aborto e da contracepção, negação da alimentação. Constitui uma categoria sociológica claramente distinguível e que tem adquirido especificidade normativa a partir da Convenção de Belém do Pará, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 09 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. "
       Entre um termo ou outro, há países que incluíram o crime no código penal, como o México e a Costa Rica, por exemplo. No Brasil, ainda está prevista esta conquista, com a terminologia feminicídio. Mas, seguindo a terminologia elaborada pela Ana Carcedo, em uma pesquisa na Costa Rica,  a 
Wânia Pasinato traz três diferenças básicas quanto ao femicídio:
  • Femicídio íntimo: aqueles crimes cometidos por homens com os quais a vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins. Incluem os crimes cometidos por parceiros sexuais ou homens com quem tiveram outras relações interpessoais tais como maridos, companheiros, namorados, sejam em relações atuais ou passadas; 
  • Femicídio não íntimo: são aqueles cometidos por homens com os quais a vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência, mas com os quais havia uma relação de confiança, hierarquia ou amizade, tais como amigos ou colegas de trabalho, trabalhadores da saúde, empregadores. Os crimes classificados nesse grupo podem ser desagregados em dois subgrupos, segundo tenha ocorrido a prática de violência sexual ou não. 
  • Femicídios por conexão: são aqueles em que as mulheres foram assassinadas porque se encontravam na “linha de fogo” de um homem que tentava matar outra mulher, ou seja, são casos em que as mulheres adultas ou meninas tentam intervir para impedir a prática de um crime contra outra mulher e acabam morrendo. Independem do tipo de vínculo entre a vítima e o agressor, que podem inclusive ser desconhecidos. 
       Em relação às condições em que o crime foi cometido, 50% dos femicídios envolveram o uso de armas de fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou contundente. Enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% dos óbitos. Maus tratos – incluindo agressão por meio de força corporal, força física, violência sexual, negligência, abandono e outras síndromes de maus tratos (abuso sexual, crueldade mental e tortura) – foram registrados em 3% dos óbitos. 36% ocorreram nos fins de semana e 30% ocorreram em vias públicas. A grande maioria das vítimas é de mulheres negras (60%) e de 20 e 39 anos (54%).
       Isso é femicídio, gente! Ou seja, a morte de mulher que decorre de conflito de gênero cometidos por homens. Em suma, é o crime em que a mulher é assassinada por ser mulher, por estar inserida em um contexto no qual o homem se sente dono da mulher, mantendo uma relação de poder sobre ela. Então, age baseado numa teoria machista de que a mulher tem que se submeter à todos os seus caprichos e vontades e ainda ser vítima de seus atos de violência caladas, porque, teoricamente, merecem.
       Estudos do Instituto Sangari, apresentam uma perspectiva histórica dos homicídios, revelando que entre 1980 e 2010 foram assassinadas aproximadamente 91 mil mulheres no país, passando de 1.353 para 4.297 mortes, um aumento de 217,6% nas mulheres vítimas de assassinato, sendo 43,5 mil só na última década (2000 – 2010). A taxa desses assassinatos para cada grupo de 100 mil mulheres passou de 2,3 em 1980, para 4,4 em 2010. Isso representa uma média de 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia.
       "Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Ditado popular que caracteriza a omissão de muitos casos de violência doméstica. Tem gente que acha que, por serem parceiros, estupro não existe. Acham que violência é permitido. Afirmam que o homem tem sempre razão em tratar sua parceira de qualquer jeito. Afinal, casou porque quis, não é? Quando o caso piora a ponto de um assassinato, não demora pra vermos reportagens que trazem através de pesquisas, que há municípios que não registraram mortes de mulheres nos últimos 5 anos. É mole uma coisa dessas?
       "No caso das mulheres, os assassinos são atuais ou antigos maridos, namorados ou companheiros, inconformados em perder o domínio sobre uma relação que acreditam ter o direito de controlar”, explica Wânia Pasinato Izumino, pesquisadora do Núcleo de Estudo da Violência da USP. Isso nos remete ao fato de que a maioria dos crimes estão caracterizados como feminicídio íntimo. Só uma observação.
       Um grande problema nisso tudo, é que mesmo após a Lei Maia da Penha, os crimes não diminuíram, e o femicídio/ feminicídio não se encontra ainda no código penal no Brasil, então os crimes cometidos por parceiros, são considerados passionais, em outras palavras, um crime motivado por intensa emoção, pela paixão. A emoção não exclui a culpabilidade do crime. O art 28, I do Código Penal é taxativo em dizer: "não exclui a punibilidade: I - a emoção e a paixão". Por outro lado, se o sentimento gerado for uma provocação injusta, pode existir situação em que esse estado de espírito gere uma atenuante. É o que ocorre no homicídio privilegiado (§ 1°, art. 121) em que quando o agente pratica o homicídio, deixando-se levar por motivos de reprovação a sua moral. No que toca a pena, esta pode variar de doze a trinta anos de reclusão, mas se pode reduzir a pena de 1/6 a 1/3, quando praticado "sob o domínio de violenta emoção". Daí, em algumas situações, a defesa tentar usar a antiquada e ultrapassada tese de se "lavar a honra com sangue...".
       Em um estudo das motivações de 23 assassinatos contra mulheres ocorridos nos cinco primeiros meses do ano 2010 e investigados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo (DHPP), em 25% dos casos o motivo foi qualificado como torpe. São casos como negativas de fazer sexo ou de manter a relação. Em 50% das ocorrências, o motivo foi qualificado como fútil, como casos de discussões domésticas. Houve 10% de mortes por motivos passionais, ligados a ciúmes, por exemplo, e 10% relacionado ao uso ou à venda de drogas.
       Mas, nem tudo está eternamente perdido, pois o feminicídio deve figurar, automaticamente, como um dos crimes hediondos. O projeto de lei do Senado (PLS) 292/2013 altera o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) para estabelecer que um assassinato será considerado feminicídio de for praticado “contra mulher por razões de gênero”. A proposta estabelece que a razão de gênero será considerada quando constatadas quaisquer das seguintes circunstâncias no assassinato: violência doméstica e familiar, nos termos da legislação específica; violência sexual; mutilação ou desfiguração da vítima ou emprego de tortura ou qualquer meio cruel ou degradante. Acrescenta, então, à Lei Maria da Penha, uma completude que fará cumprir, de fato, o que é o direito da mulher. Oriunda da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) na forma do substitutivo apresentado pela relatora, a senadora Ana Rita (PT-ES), presidiu a CPI.
       O projeto acrescenta inciso ao parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal, estipulando assim que o feminicídio será o sexto tipo de homicídio qualificado da legislação penal. A pena prevista para homicídios qualificados é de 12 a 30 anos de reclusão. A tentativa de homicídio também é crime. Além disso, a Lei 8.072/1990 estabeleceu que todo homicídio qualificado, “consumado ou tentado”, é considerado crime hediondo. E todo crime hediondo não é suscetível de anistia, graça, indulto ou fiança.
       Só que, claro, nem tudo são flores, amores e bla bla blá. Estamos falando de um projeto que está tramitando, além de estarmos no Brasil, conhecidíssimo pela sua rapidez e eficiência  no tocante ao que é, de fato, importante e urgente.
"Fico pensando na própria Maria da Penha, eletrocutada e atingida por disparos de arma de fogo. Que tipo de força física é necessária para empunhar uma arma? Não arranjemos desculpas. O que mata mulheres é a misoginia, é a objetificação dos nossos corpos, a desumanização a que somos submetidas a todo instante." 
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Nádia Lapa 


Referências Bibliográficas:

- Três cidades brasileiras estão entre as dez mais violentas do planeta: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/03/tres-cidades-brasileiras-estao-entre-dez-mais-violentas-do-planeta.html
- IAB - Delitômetro: http://institutoavantebrasil.com.br/
Mapa da Violência 2013: Brasil mantém taxa de 20,4 homicídios por 100 mil habitantes: http://oglobo.globo.com/pais/mapa-da-violencia-2013-brasil-mantem-taxa-de-204-homicidios-por-100-mil-habitantes-7755783#ixzz2yGoGbX7z
UOL Notícias: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/09/25/lei-maria-da-penha-nao-diminuiu-violencia-contra-mulher-no-brasil-diz-ipea.htm
Carta Capital: http://mairakubik.cartacapital.com.br/2013/09/25/apos-lei-maria-da-penha-indice-de-assassinatos-de-mulheres-continua-alto/
Adital - Estudo do Instituto Sangari sobre Feminicídio: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=S&cod=68325
- Paraíba: http://www.paraiba.com.br/2014/04/01/90442-aqui-e-a-roupa-curta-la-e-o-rimel-embaixo-da-burca
Estadão: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,dez-mulheres-sao-mortas-por-dia-no-pais,575974,0.htm
- IPEA: Um estudo sobre o feminicídio: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf
- Misoginia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Misoginia
- Feminicídio e as mortes de mulheres no Brasil: http://www.scielo.br/pdf/cpa/n37/a08n37.pdf
- Feminicídio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Feminic%C3%ADdio#cite_ref-Pasinato_4-0
- JusBrasil: Que se entende por femicídio?: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/92662/que-se-entende-por-femicidio
- IPS: ¿Femicidio, feminicidio? El genocidio necesita un nombre en América Latinahttp://www.ips.org/blog/mdg3/2010/08/%C2%BFfemicidio-feminicidio-el-genocidio-necesita-un-nombre-en-america-latina/
- JurisWay: O Julgamento dos Crimes Passionais: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5238
- Diário de Pernambuco: Feminicídio poderá ser crime hediondo: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2013/11/19/interna_brasil,474698/feminicidio-podera-ser-crime-hediondo.shtml

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